domingo, 29 de março de 2009

O Dia

O dia, que surgiu nublado, viu nascer um sol descarado, desavergonhado, sorridente, estridente até. Os poucos graus acima dos vinte viraram muitos acima dos quarenta. E as pessoas nas ruas, todas elas, murcharam entre sedas, lãs, cachecóis, pingentes e trapos.


Tudo assim, bem de repente.


Dos lados, nas calçadas, nas ruas, nos bares, nos becos, homens e meninos, raparigas e mulheres começavam a ser incomodados pelo calor insurgente. Abanos, formigamentos, suores, cheiros e sucos de laranja gelado. A água salgada que surgia em cada fronte, mesmo nas mais lustrosas, carregava, não se sabe como, uma pedaço da alma também.


Uma película de terror antes do meio-dia.


Um alarme gritou pela cidade, pelos países, pelo mundo. Todos derretiam. A menina virou o seu próprio deleite (que belo sonho de infância!) e fez desaparecer seu último suspiro entre as cores rosa e azul do seu algodão-doce. A moça que comprava o vestido, casadoira do mês de Julho que seguia, resumiu-se aos limites da aliança de ouro. O homem de negócios, empertigado com sua pasta de couro, findou-se ainda preso à gravata. O ladrão de poucas coisas, malandro recém saído das fraudas, chorou copiosamente enquanto desfalecia entre o boné e o bigode ralo. A senhora gorda, ávida por remédios de cessa-fome e gorduras intrépidas, viu com prazer seu corpo esbelto antes de quedar-se, e esta pode-se dizer que não sofreu. A moça de maquiagem deixou um vestígio multicolorido na calçada verde-musgo. O adolescente fazia tilintilim enquanto desprendiam dele os seus muitos anéis. A dona de casa sumiu no bolso do avental. O presidente virou água do lago do palácio do Planalto. O papa coube no seu anel de rubi. O Bush? Bem...dizem que o Bush acabou-se fedendo bem.


Em resíduos humanos, ela, a humanidade, virou pasta uniforme, monstro disforme. E conta a lenda que renascerá um dia, una e firme, confluídos de fluídos, para brincar mais uma vez de ser Deus. As baratas, ah...as baratas. As baratas, sempre vencedoras, somente riram em seus buracos. Riem até hoje.

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