sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Eram tão seus os braços....


...que não pude esquecer que não seriam meus, e nem queria que fossem, pra ser sincera. E nessa mania de ser sincera não me permiti imaginar se um dia seriam. E se cada vez que eu piscava os olhos via avermelhar a vida dentro das paredes e esquecia da vida lá fora, também perdia detalhes tão unicos como cada uma das risadas destes ultimos dias.

Os ipês estão florindo, e nem saí do lugar. E cada vez que o inverno acaba, quero voltar atrás.


E cada vez que o verão começa, quero seguir.

me, mim, com meu país das maravilhas


"Farto de ver. A visão que se reecontra em toda parte.Farto de ter. O ruído das cidades, à noite e ao sol, e sempre.Farto de saber. As paradas da vida. - Ó Ruídos e Visões!Partir para afetos e rumores novos."
Arthur Rimbaud
...e é isso. Não se fala mais em desagrados. Alice conhece seu país e suas maravilhas. E reconhece que toda história precisa de um vilão. E pronto. Alice também é vilã, certamente, em alguma história alheia - ou própria, na falta do personagem.
Alice, como boa moradora do país das maravilhas, foi também leitora juvenil de Pollyana, a garotinha capaz de transformar qualquer desventura em maravilha (palavra esta, aliás, que deveria ser usada muito mais vezes por dia.. por isso faço questão de abusá-la sem a menor parcimônia).
Alice acredita. Simples assim, ela acredita. Acredita no que diz seu pequeno e surrado coração, acredita na forma nonsense que ele tem de escolher quem passará a morar dentro dela. Acredita em todos que moram ali dentro. Em todos que seguram a sua mão. Alice acredita tanto que faz as malas. Separa seus modelos simpáticos, seus livrinhos pró-sagacidade (alice é espertinha e sabe que o tempo não perdoa, e há de se exercitar o cérebro), seu gato listrado e seus desejos a serem saciados.
Todos estão precisando de um cenário novo e de um ruído novo. E daquele cheiro da curva, que eu já conheço um tanto bem...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A carta de dia dos namorados, que não é do dia dos namorados


"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil."
Clarice Lispector

Seria muito fácil escrever uma carta com ar de dia dos namorados pra você, se hoje fosse dia dos namorados. Não que eu acredite eu datas comerciais - eu não acredito. Pra mim, isso é uma desculpa sem contexto pras pessoas gastarem dinheiro. E a gente, que deu pra entender de palavras, gasta texto. Mas o cheiro do dia me eleva à auto-reflexão. Me faz pensar, por exemplo, que eu estou aqui virando a noite pra colocar no papel meia dúzia de frases legais e você já deve estar no décimo sonho porque em meia hora escreve um texto que eu não escreveria nem se passasse todas as noites da minha vida em claro. Aí lembro que é por isso que prefiro passá-las com você. Pra ver se eu pego um pouco do seu talento pra mim. Pra colar uma linha de cada página que você escreve. Pra ficar admirando suas palavras. Ou simplesmente pra ficar com você, mesmo. Pro resto das minhas noites.

Mas como tudo em meu mundinho é controvérsio, e já que a mão que apedreja é a mesma que afaga, você me faz esquecer que era pra escrever um português bonito, sem palavrões e com tom de poesia. Ainda bem que faz. E me aciona bombas. Por isso é o quadro torto na casa vazia, que agora canta e se preocupa porque não é mais vazia. E é bom se preocupar, porque preocupação é sinal de zelo. E zelor cá consigo mesmo é o primeiro passo se há pretensão de arrecadar cuidados extras, por parte de terceiros.

Estava me recordando da primeira vez em que você me recitou algo. Quando já nos conhecíamos de outras vidas e pudemos reconhecer isso nos primeiros 20 Km de caminhada. Assim, de cara. Só pra assustar. Durante o nosso jantar suculente de sanduíche vegetariano, você leu pra mim o rótulo da garrafinha da única bebida que havia naquele bendito buteco. Eu achei romântico. Não pelo conteúdo, mas pela entonação. E, depois de te ouvir, todas as únicas certezas que eu tinha na vida foram pro ralo. Escorreram pelo meu rosto lavando o resto de alma que eu ainda tinha nele. Logo eu, que nunca tive sequer uma certeza na vida, sentia uma imensa necessidade de dar garantias pra alguém de algo que eu não faço a mínima idéia. Que eu não sabia nem que podia existir em mim. Ainda bem que não me deixei levar. Que não nos deixamos.

Dizem que, quando a gente ama alguém, deve manter junto. Então, realmente não sei amar. Não consigo dizer que amo e ficar aprisionando. Não consigo gostar e privar de tudo, ser incondicional. Não me dou bem com pressão e adimito a força das circunstâncias... acho que qualquer coisa está a cima da distância e, se não é coisa o suficiente pra superá-la, então é coisa alguma. Entendo relacionamentos abertos. Sempre cultiveis amores no 'além' - além do plano material, superficial. Não entendo quem gosta e se desgosta. Não entendo alguém que quer certezas sem apostar na própria certeza. A minha sorte é que você também encontrou, nesse mundo louco, um verbo intransitivo diferente dos demais. Da maioria, pelo menos.

O dia que eu coloquei meu passarinho no dedo, levei ele pra rua e ele não quis ir embora, mesmo podendo voar, e eu entendi o que é liberdade. É poder ir e querer ficar. É ter a chance de escolher. Liberdade é poder falar que ama. Liberdade é poder falar do que não gosta. É saber conviver com a diferença e respeitar isso. É entender que ninguém é exatamente do jeito que você imaginou que fosse. É estar junto e fazer planos. É estar junto sem saber o que vai acontecer amanhã. É querer continuar mesmo que os planos dêem todos errados. Mesmo que você não tenha nenhuma certeza. E como sintonizar nessa mesma frequência se não fosse a vontade? Por vontade.. Com vontade...

Quer tenhamos seguido o caminho pré-traçado, quer não - a gente nunca funcionaria se não tivéssemos saído do eixo. Livre de errar. E essas nossas estradas que só se encontraram de tortas que são. Ou não. E as coisas simplesmente seguem seu curso natural, livres. Que a vida continue. Que as incertezas passem, e retornem. Que a paz reine. E esse amor que é tão bonito, porque pode renascer todos os dias e não tem obrigação - renasce se quer, e renasce - nos permita continuar acertando e errando. Acertando nos erros, e vice-e-versa. Que a tal liberdade, que acabou virando nossa ideologia particular, sirva para isso. Pra nos permitir viver amando, descobrindo, se perdendo e encontrando. Afinal, se a gente soubesse do bê-à-bá de nossos passos, um do outro, a magia que nos envolve perderia um pouco a cor. Há algo dentro da gente que nos faz tão soltos, que obriga a ser um do outro.

Eu nunca quero ter certeza de tudo na vida. Acho que amar é isso. Saber dar sem garantias. Sem exigir nada em troca. Arriscar, acreditando que vai dar certo... porque quando tem que dar certo, dá. Nossa relação é a prova viva disso. E que não nos percamos dessa sintonia que já nos levou a tantas cidades diferente sem sequer um telefonema para combinar. Porque amar é conseguir viver esta vida una em outro patamar, onde o sol nasce e se põe uma vez por dia. É não ter prazo de validade.

Não sei nada sobre o amor, mas desconfio que não tem nada a ver com certezas. Cabe somente à subjetividade.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Minha florzinha ,

Tenho pensado muito em você esses dias. Esses seus olhinhos estão me deixando agoniada... Olhinhos de quem tem pressa e nem se sabe de que; olhinhos que querem rir e querem sofrer ao mesmo tempo, e que não querem querer, também.

Percebo que você tem sentido em cada milímetro do corpo e que, várias vezes ao dia, acha que vai morrer se disfarçar um pouco. De fato, morreria um pouquinho, justamente por deixar de ser você e passar a incorporar outra pessoa. Como sua cuidadora, não acho que você deva se levar ao suicídio - mesmo que parcial.

Queria lhe falar sobre a paixão, que faz tudo parecer extremo e irremediável. Você precisa ter calma, ou estará cega demais pra perceber a saída. A paixão é uma mistura de realização, dor e cegueira ao cubo - é o tal contentamento descontente.

Esse quê de incerto que faz o coração parecer carne moída pode durar meses, ou anos. É mais ou menos como um comercial de shampo: você se apaixona não por uma pessoa física, mas por uma projeção. A paixão acaba quando você se dá conta de que aquela felicidade instatânea, que parecia comida enlatada de tão esquente-e-sirva, também era projetada. Fica a ressalva de que esse start pro mundo pode JAMAIS ocorrer . Mas pode relaxar porque, afinal, viver de ilusão não é errado e tampouco ruim. A vida é verdade inventada, e o cúmulo da ilusão é crer que não é nada disso.

Me tira o sono a certeza de que mais uma vez você vai até o fundo desse poço procurando aquele mesmo final feliz das outras vezes – e que não sabe se dá ou não aquele sinal de existir. Não me conformo com essa sua paixão pela contramão, ao mesmo tempo em que te admiro pela perseverança em plantar e semear a sua própria felicidade, indo às últimas consequências.

Mas preciso deixar registrado que esse amor de muitas rugas já está mais que na hora de ter o seu lugar ao sol, ou na gaveta. Não aguentaria ver mais você, a mais soberba das criaturas, literalmente se rastejando no chão por alguém que não te oferece o mínimo. Não é vergonha deixar um amor em banho maria... sempre é hora pra vivê-lo, embora alguns momentos sejam mais propícios que outros.

Talvez não haja maturidade o suficiente em ambos os corações valentes para aquecer essa relação ao ponto certo... e talvez vocês não consigam aproveitar todo o sabor que ela teria a lhes prover. Só queria mesmo dizer pra você embrulhar qualquer 'talvez', tão vago quanto a própria classe gramatical, e pensar em ser feliz com plenitude.

Se você se pergunta o que está fazendo brigando e discutindo enquanto o que queria era cair em doces deletérios, se está cansada de se calar quando o mundo se une para lhe dar seguidas lições de moral. Permita-se. Se você acha que no fundo mesmo, apesar de todas as caras feias que verá e de todos os obstáculos que terá que ultrapassar, o que importa é ter pra quem mostrar que saiu o arco-íris. Permita-se.

Porque eu não quero que você tenha essa pressa ao ponto de ajudar com as próprias mãos. Eu quero que você sinta esse prazer que chega aos poucos. E mata tudo o que há em volta. E explode os relógios. E chega aos poucos ainda que você não saiba nem que é pouco e nem que é lento. Porque você morre. Se você prefere a vida quando se morre um pouco por alguém, permita-se.

Não queira ir embora e esperar o dia seguinte, mas tenha calma. Para os erros incalculáveis, sempre há o outro dia e estarei por perto pra te lembrar disso. Ás vezes faz bem vestir a camisa de força...

Pode soar estranho tudo isso vir de uma 'serial lover' mas, bem, é uma grande mentira viver sozinho. Permita-se.

Estarei contigo pra lhe ajudar a vencer esses dias chuvosos e chatos.

Te amo , nega.


Nicole Manes

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Os conseguintes dela . E dele .



Ele acorda e escreve um bilhetinho de afazeres diários e , pra não haver desculpas, deixa ao lado da pia do banheiro . Ela está nervosa , em meio aquele universo desconhecido de posters, duendes e incensos que, de tão aconchegante, assusta . Ele dá um beijinho de bom-restinho-de-sono e vai trabalhar .

Ela não consegue dormir e vai tomar banho, cantarolando . Se lembra que foi nessa música que ele se descontraiu e fez tudo parecer antigo . Ri . Sente vontade de voltar , dar aquele abraço e contar isso pra ele, mas está tudo dá maneira que deveria estar.. é melhor não acionar a teoria do caos .

Ele tem problemas no caminho para o trabalho, mas chega bem . Lembra que , outro dia, os dois estavam em outra dimensão, em outro espaço temporal . Acha o mundo ridículo e feliz . Lembra que estava boa a vida sem procura . Encontrar dá medo, preguiça e uma sensação estranha de estar se perdendo . Será que vou ter algo a mais com essa louca ? Será que essa louca vai me levar ?

Aí ele lembra . Caraca ! A doida escreve . Sem pudor . Deixou escapar pra ele . A essa hora já deve ter um texto publicado sobre a noite anterior . Será que ela achou boa ? Será que não se irritou com a malemolência ? Será que ela vai publicar o tamanho da minha história ? Da minha tatuagem ? Da minha alma ?

Ele correu com o trabalho . Ainda suspirava, mas com muito receio . Precisava chegar logo em casa e rezar para que ela ainda repousasse, para acessar aquele site desgraçado . Todo sem sentido e que ele nunca entendeu. Mas é ali que ela se descasca, sem dó nem piedade .

Corre com seu carro que ainda tem o cheiro dela e uns fios de cabelo, agora meio dourados, pendurados no assento do passageiro. Foi bom. A noite foi boa. A história é maravilhosa. Ela não vai falar mal de mim. E também não vai falar nada de mim. Nem bem. Como ele quer que ela seja misteriosa e suma durante todo o dia de hoje. Ele quer sentir o frio na barriga, o nervoso pra saber se ela vai atender ou não. Não seja fácil, minha filha. Não escreve que gostou. Deixa eu sofrer um pouco. Deixa.

Ele chega em casa e lá está ela , sentada na cadeira do computador, com os cabelos molhados e aquela cara de eu-não-to-postando-nada, mais lavado do mundo . Não importava, também . Deu aquele beijo de 'oi, minha linda ', e contou as histórias do dia .

Ela ainda estava muito nervosa e não queria que nada desse errado . Tô fazendo o almoço ! E passam horas maravilhosas, dias históricos e , por sintonia, cantarolam juntos o som que o sol faz . Ela abraça, ele sente . Ele ri, ela reluz . Ela olha, ele fica sem jeito . E chegou a hora de pescar a saudade .. e o tudo passou, o tempo passou . Restou a nova tatuagem , e a beleza, e a dor .

Outro dia, meio que ao acaso, ele entrou no tal site da menina , e demorou a carregar . Lá estava. Um texto. Um texto pra ele. Caramba, ela havia escrito? É o primeiro texto que alguém escreve pra ele, tirando umas namoradas de outras épocas que botavam frases do tipo “eu sei que quando tiver de ser, será” nos comentários de fotos que ele até gostava de ler. Agora é quase uma escritora de verdade. Ele ri, porque a quase escritora de verdade se acha um pouco dizendo que é de verdade.

Ele pensa nela, sente saudade. E não quer fugir, e nem quer viver. É, da medo. Ela deve estar com medo também. Sentir é começar o inferno tudo de novo. Mas ela, quem diria, escreve lá no texto que topa. Topa começar uma coisa nova, e crê que as coisas só crescem em liberdade. Só crscem se têm espaço pra crescer . Ela também escreveu que sentia tão fundo, que tinha medo de engasgar com o sentimento e ele sumir , e afirmou novamente que tinha medo .

E faltando dois parágrafos pra terminar o texto, ela manda, na lata mesmo: “Antes de decorar seu nome, já sabia de cor a quantidade exata de suas pintinhas no rosto . Eu pegaria um ônibus pra ir te ver, hoje " . O que será que ele vai responder? Ele então pega um copo de suco. E sai cantando como se o dia estivesse diferente , mesmo que não pensasse em responder . E ela não esperava uma resposta . E eles sabem que algumas coisas podem esperar, mesmo que nem tudo possa .

Talvez não tenha sido isso o que ela quis dizer . Mas acaba que a quase escritora de verdade desconhecia aquele código e, por vez, acabava sendo uma escritora de quase verdades .


Nicole Manes

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Aniversário rima com frases gays .



Eu prometi que não perderia mais ninguém, em nenhum beco da vida . Prometi que proveria cuidado ao próximo, que faria jus à benevolência compartilhada . Que não mediria esforços na manutenção de todo e quaisquer quociente .

Jurei a mim mesma que, qual fosse a contingência na estrada, voltaria sempre. E voltaria com ar de quem quer voltar, e tiraria da mochila o peso da saudade . Saudade sintética, saudade sincera, saudade de sentir saudade . Poria o peso à mesa e desfaria o lar empacotado .

Combinei que ligaria para todos os conhecidos . Que inventaria uma agendinha colorida, dessas que a gente substitui pelo celular, e convidaria todos os fulanos-de-tal para o roots caninha&combinados de meu regresso . Talvez ouvisse elogios, talvez desse presentes, talvez os recebesse . Bem, não interessava muito .

E fui perdendo, me perdendo . Cada estrada que me levava carregava consigo uma parte antiga de mim e adicionando novos caracteres . Vez por outra eu me olhava no espelho e achava que era outra, por isso seguia em frente. E não reconhecia a velha agendinha, até que um dia eu parei de olhar a cor do horizonte e olhei pra dentro de mim . Ergui os braços pra abraçar, mas só catava vento .

E então a grande valsa das palavras não ditas e de todas as despedidas sem sal nem açúcar . Aqueles beijos que eu podia ter beijado mais e , no entanto, me continha . Aqueles nomes que eu poderia ter gritado, mas deveria estar ocupada, reoconstruindo os buraquinhos n`alma.. como se fosse possível.

E sobrevivia disso, de recompor buracos. Um se abria, e ia lá e recobria, mas um dia olhei pra mim e parecia uma pedra porosa .Andava por aí inventado tombos pra me reerguer , mas não havia mais porquê cair .

E é ruim demais passar essa noite longe das almas de cor, com esses buracos profundos, nesse luar qualquer que uma dúzia de sorrisos salvaria . Não há montinho de terra que se encaixa numa ausência.. e só sei dessa mão que aperta me coração e faz parecer que sempre faltarão muitos minutos até o sustento.

Prometi que não deixaria o dito pelo não dito, no entanto só traio a mim. E , mais uma vez, não vou ligar pra dizer que estou com saudades , embora essas lembranças querendo movimentos quase doam de vontade de sair . Talvez eles não me entendessem.. e essa minha insegurança só faz lembrar que a gente nunca segue nossos próprios conselhos .

Ai, que saudade do paraíso que vinha num estalar de dedos , e que eu achei que podia levar pra todo canto .. que eu pendurei na bolsa e saí mostrando por aí .

Ai, que saudade de mim .. e dos pedaços de mim ...
Nicole Manes

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Bateu saudade !



Não consigo ver mais que isso: essa é a lembrança. Além dela, nós conversamos durante muito tempo naquele topo de pedra fria, até que a temperatura encomodasse, e quando encomodou, já não havia como você ir embora. Além disso, não consigo lembrar mais nada, embora tente desesperadamente acrescentar mais um detalhe, mas sei perfeitamente quando uma lembrança começa a deixar de ser uma lembrança para se tornar uma imaginação. Talvez se eu contasse a alguém acrescentasse ou valorizasse algum detalhe, assim como quem escreve uma história e procura ser interessante - seria bonito dizer, por exemplo, que os raios do sol poente , refletidos em seus olhos, os deixavam ainda mais castanhos-esverdeados. Mas você chegou tarde , a noite já havia tomado conta .Poderia dizer que os sussuros soprados do pé da montanha nos remetiam a um estado de êxtase impossível de ser transposto . Bem, bastara eu pra saber que o que aquele instante trazia por si próprio era mais do que suficiente para extasiar os seres mais inquieto e impossíveis - nós sabíamos . Mas não direi nada a ninguém. E quando penso, não consigo pensar construidamente, acho que ninguém consegue. Mas nada disso tem nenhuma importância, o que eu queria te dizer é que chegando na janela, há pouco, vi o sol se pondo e, à frente do sol, difusamente, uma roda-gigante. E que então pensei numas tardes em que eu sempre ia, e numa tarde em especial, não sei quanto tempo faz, e que depois de pensar nessa tarde e nesse céu e nessa roda-gigante, uma frase ficou rodando nítida e quase dura no meu pensamento. Qualquer coisa assim: depois daquela nossa conversa - depois daquela nossa conversa no alto-do-mundo, você nunca mais me deixou ...
Nicole Manes
Ouvindo Karen Dalton - It Hurts Me Too , tomando cervejas, olhando pela janela e escrevendo ...

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Desabafo


Pode demorar mas, um dia, a gente descobre que quem pertence a muitos lugares, de fato, não pertence a lugar algum ...


Nicole Manes

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O carinho por trás da objetividade


- Gosto, de um modo carinhoso, do inacabado, do malfeito. Daquilo que, desajeitadamente, tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão. - disse ele, sem ponderar seus termos .
- Já eu, encarando o processo num todo, prefiro o que há entre o alçar vôo , tão coerente e, ao mesmo tempo , demente que chega a ser comovente; e o pouso, ora turbulento , ora nem tanto . Prefiro o simples vôo, onde moram a dor e a beleza, o puro e o cabuloso . - Respondeu ela, se perdendo dentre a poesia inventada .
Dispersos, cada um tomou seu rumo. E por isso se davam tão bem ...

Ela, a imaginar a praia, os risos, os dois . Não um pôr-do-sol, pois seria normal demais pra uma relação que , de convencional, só restara a carcaça que um dia alguém invento de chamar de amizade . Entre um golaço e outro do LDU em cima do Fluminense, tramava uma maneira original de chamar-lhe pra fazerem qualquer coisa , e parou pra observar como o tempo foge à regra clara .

Ele, em seu mundo de mundos diários, riu por alguns segundos da conversa e foi acompanhar o jogo . Sem esconder a felicidade contida em cada ameaça de derrota do já citado clube, ás vezes pensava em como haviam se conhecido , e reconhecido . Achava graça porque parecia faz-de-conta, e tramava uma maneira original de aceitar um convite para fazerem qualquer coisa, enquanto escutava Los Hermanos e atualizava seu perfil no orkut .

E por isso se davam tão bem .

Ela desligou o computador e foi dormir, enquanto ele fazia o mesmo . Dalí em diante, bastava que se encontrassem para o acalento final, e ele foi dormir sabendo que valia um caminhão de tele-sena são joão, e ela sonhou em paz .


Nicole Manes
ouvindo Ney Matogrosso - Poema

terça-feira, 24 de junho de 2008

Àquele que insiste em habitar meus sonhos ...




- Após três tentativas NADA bem sucedidas, incluindo um texto com infinitos parágrafos , me rendo à arte de resumir discursos . -

O sonhador não escolhe o seu sonhar .
Sequer reconhece o livre e leve por trás do fado que espia . Entre um trago e outro, sente as coisas à medida que elas não o sentem, e abre o grande livro das metas pra justificar questionários alheios a esse mundo de raros . "Buongiorno, principessa" - lhe diria, numa manhã qualquer de certos devaneios amelísticos . Põe o disco na vitrola e caminha no vale dos quisera-eu .

O sonhador não escolhe o seu sonhar .
Ou não o seria . Vive refén desse quê de incerto que pescou pra chamar de sentido . E cá, eu, renuncio ao fardo de racionalizar tamanha insensatez humana, de um pingo de nada que preenche tanto esse vazio de ti .

O sonhador não escolhe o seu sonhar .
Sonha, porque ganha a vida assim .
Sonha porque ganha vidas assim .
Sonha porque, assim, tens a vida ganha .
E minha vida, assim, ganhasse sonhando ...

E o verso vai pra direita, o sentido pra esquerda. Já não importa .



Nicole Manes

P.S : Preciso repor aquele calor de seu abraço que, com o tempo, o coração absorveu .