sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Os conseguintes dela . E dele .



Ele acorda e escreve um bilhetinho de afazeres diários e , pra não haver desculpas, deixa ao lado da pia do banheiro . Ela está nervosa , em meio aquele universo desconhecido de posters, duendes e incensos que, de tão aconchegante, assusta . Ele dá um beijinho de bom-restinho-de-sono e vai trabalhar .

Ela não consegue dormir e vai tomar banho, cantarolando . Se lembra que foi nessa música que ele se descontraiu e fez tudo parecer antigo . Ri . Sente vontade de voltar , dar aquele abraço e contar isso pra ele, mas está tudo dá maneira que deveria estar.. é melhor não acionar a teoria do caos .

Ele tem problemas no caminho para o trabalho, mas chega bem . Lembra que , outro dia, os dois estavam em outra dimensão, em outro espaço temporal . Acha o mundo ridículo e feliz . Lembra que estava boa a vida sem procura . Encontrar dá medo, preguiça e uma sensação estranha de estar se perdendo . Será que vou ter algo a mais com essa louca ? Será que essa louca vai me levar ?

Aí ele lembra . Caraca ! A doida escreve . Sem pudor . Deixou escapar pra ele . A essa hora já deve ter um texto publicado sobre a noite anterior . Será que ela achou boa ? Será que não se irritou com a malemolência ? Será que ela vai publicar o tamanho da minha história ? Da minha tatuagem ? Da minha alma ?

Ele correu com o trabalho . Ainda suspirava, mas com muito receio . Precisava chegar logo em casa e rezar para que ela ainda repousasse, para acessar aquele site desgraçado . Todo sem sentido e que ele nunca entendeu. Mas é ali que ela se descasca, sem dó nem piedade .

Corre com seu carro que ainda tem o cheiro dela e uns fios de cabelo, agora meio dourados, pendurados no assento do passageiro. Foi bom. A noite foi boa. A história é maravilhosa. Ela não vai falar mal de mim. E também não vai falar nada de mim. Nem bem. Como ele quer que ela seja misteriosa e suma durante todo o dia de hoje. Ele quer sentir o frio na barriga, o nervoso pra saber se ela vai atender ou não. Não seja fácil, minha filha. Não escreve que gostou. Deixa eu sofrer um pouco. Deixa.

Ele chega em casa e lá está ela , sentada na cadeira do computador, com os cabelos molhados e aquela cara de eu-não-to-postando-nada, mais lavado do mundo . Não importava, também . Deu aquele beijo de 'oi, minha linda ', e contou as histórias do dia .

Ela ainda estava muito nervosa e não queria que nada desse errado . Tô fazendo o almoço ! E passam horas maravilhosas, dias históricos e , por sintonia, cantarolam juntos o som que o sol faz . Ela abraça, ele sente . Ele ri, ela reluz . Ela olha, ele fica sem jeito . E chegou a hora de pescar a saudade .. e o tudo passou, o tempo passou . Restou a nova tatuagem , e a beleza, e a dor .

Outro dia, meio que ao acaso, ele entrou no tal site da menina , e demorou a carregar . Lá estava. Um texto. Um texto pra ele. Caramba, ela havia escrito? É o primeiro texto que alguém escreve pra ele, tirando umas namoradas de outras épocas que botavam frases do tipo “eu sei que quando tiver de ser, será” nos comentários de fotos que ele até gostava de ler. Agora é quase uma escritora de verdade. Ele ri, porque a quase escritora de verdade se acha um pouco dizendo que é de verdade.

Ele pensa nela, sente saudade. E não quer fugir, e nem quer viver. É, da medo. Ela deve estar com medo também. Sentir é começar o inferno tudo de novo. Mas ela, quem diria, escreve lá no texto que topa. Topa começar uma coisa nova, e crê que as coisas só crescem em liberdade. Só crscem se têm espaço pra crescer . Ela também escreveu que sentia tão fundo, que tinha medo de engasgar com o sentimento e ele sumir , e afirmou novamente que tinha medo .

E faltando dois parágrafos pra terminar o texto, ela manda, na lata mesmo: “Antes de decorar seu nome, já sabia de cor a quantidade exata de suas pintinhas no rosto . Eu pegaria um ônibus pra ir te ver, hoje " . O que será que ele vai responder? Ele então pega um copo de suco. E sai cantando como se o dia estivesse diferente , mesmo que não pensasse em responder . E ela não esperava uma resposta . E eles sabem que algumas coisas podem esperar, mesmo que nem tudo possa .

Talvez não tenha sido isso o que ela quis dizer . Mas acaba que a quase escritora de verdade desconhecia aquele código e, por vez, acabava sendo uma escritora de quase verdades .


Nicole Manes

Um comentário:

Henrique Indio do Brasil disse...

,.Acho que, intrinsecamente, a dualidade em que se encontra seu amor e o dizer-amor é o que transmite a dificuldade de se expressar que a quase escritora tem em se fazer clara. Através desse encaixa encaixa de palavras no formato de encaixa encaixa de corpos diretamente proporcionais para o amor anda complicando sua cabeça.